quinta-feira, 20 de maio de 2010

Jack Bauer: como se destrói o último herói da América - vídeo

Se alguma série representou a era pós-11 de Setembro na televisão, foi "24", o drama da Fox que fez do contraterrorismo uma forma de entretenimento ao longo de nove anos. Em "24", a tortura salva vidas. Em "24", os telefones estão sob escuta, as conspirações são derrubadas, os terroristas são mortos e um homem, Jack Bauer, nada teme para proteger o povo americano. Para os espectadores, numa era de inimigos sombrios, "24" é em parte "soma de todos os medos" e em parte "satisfação dos desejos". Para a Fox, o relógio que é marca registada da série está prestes a deixar de funcionar. Quase uma década após os ataques do 11 de Setembro de 2001, o programa vai chegar ao fim. A temporada que passa em Portugal na RTP2 e Fox Crime (a partir de quarta-feira), a oitava, será a última.

Numa entrevista há cerca de um mês, Kevin Reilly, o presidente da divisão de entretenimento da Fox, afirmou: "É uma decisão difícil para todos os envolvidos." A primeira vez que "24" captou a atenção da América foi no final de 2001. A primeira temporada, que envolvia a explosão de um avião de passageiros e uma tentativa de assassinar o presidente, entrou em produção muito antes dos ataques de 11 de Setembro, mas a sua estreia ocorreu oito semanas depois da tragédia. Na altura, a crítica do "The New York Times" assinalou a "terrível convergência entre a vida real e a fantasia de Hollywood".

No final desta temporada, em Maio, "24" irá, possivelmente, sobreviver como filme no cinema e, de certeza, nas salas de aulas e manuais escolares. A série inspirou o discurso político do país de uma forma que poucas outras fizeram, em parte porque trouxe de novo à memória a ameaça do tiquetaque da bomba-relógio que assombrou a facção Cheney do governo americano nos anos a seguir ao 11 de Setembro.

Herói?

Walter Gary Sharp, professor-assistente da Universidade de Georgetown que leccionou a cadeira "The Law of '24'" (A Lei de "24") em 2007/08, acha que a série serviu como "uma ferramenta para estimular o debate público a ajudar os povos e os governos de todas as nações a avaliar os limites correctos nos esforços das democracias para combater o terrorismo". A personagem de Bauer, um agente secreto interpretado por Kiefer Sutherland, tornou-se numa bandeira do contraterrorismo que não conhece limites e os seus métodos foram invocados por funcionários da administração Bush, candidatos presidenciais republicanos e até por Antonin Scalia, juiz do Supremo Tribunal. John Yoo, que, como jurista do Departamento de Justiça, ajudou a definir as técnicas de interrogatório da administração Bush, questionou num livro publicado em 2006: "E se, tal como foi retratado em '24', a popular série televisiva da Fox, fosse capturado um importante líder terrorista que soubesse a localização de uma arma nuclear numa cidade americana? Deveria ser ilegal o presidente utilizar um interrogatório implacável, sem tortura, para trazer a lume esta informação?"

Ou Vilão?
 
Mas pelas mesmas razões que a série encontrou fãs da era Bush, também enfrentou um escrutínio severo pelas suas descrições de tortura. "A um certo nível, '24' é apenas um grande grito de aprovação da tortura", escreveu numa mensagem de email David Danzig, director-adjunto do programa da Human Rights First, uma organização sem fins lucrativos. "Aqueles que entre nós vêem bastante a série - e existem dezenas de milhões que o fazem - sabem exactamente aquilo que vai acontecer assim que Bauer começa a espancar um suspeito. Ele vai falar." Para Danzig, as sequências de tortura são enganosas, porque contribuíram para o mito de que a tortura era eficaz. Ele lembra também que Gary Solis, antigo director do programa de Direito Militar da universidade de West Point, lhe disse uma vez que "24" era um dos maiores problemas das suas aulas. Num email enviado no mês passado, Solis escreveu que quando ensina a moderação no campo de batalha durante as suas aulas, uma resposta comum dos seus cadetes é: "Sim? O senhor viu o Jack Bauer ontem à noite? Ele alvejou um prisioneiro no joelho e o tipo falou."

Os professor de Direito Militar gosta da série, mas preferia que as cenas de tortura fossem suavizadas, se não mesmo totalmente eliminadas. Da mesma maneira, outros oficiais disseram que "24" influenciou o comportamento dos interrogadores na Baía de Guantánamo. Segundo o livro "The Dark Side", escrito por Jane Mayer em 2008, Diane Beaver, uma advogada militar em Guantánamo, contou a um colega advogado que Bauer "pôs demasiadas ideias nas cabeças das pessoas".

O Human Rights First, grupo de Danzig, reuniu-se com os produtores de "24", em 2006, e apresentou-os a interrogadores verdadeiros, em 2009. Ele reparou que a série evoluiu ao longo do tempo - Bauer enfrentou um julgamento pelas suas acções de tortura na 7.a temporada - e afirma que "existe agora um pouco mais de sensibilidade em relação às descrições de tortura". Contudo, continua, "a mensagem não se alterou".

Bauer tem a palavraEm Janeiro, Sutherland disse sobre as sequências de tortura: "Isto é um programa de televisão. Não estamos a dizer às pessoas para fazerem isto em casa."

O actor também recusou acusações de uma inclinação política em "24". "Uma das coisas que sempre me deixaram inacreditavelmente orgulhoso do nosso programa é que ele podia ser discutido ao mesmo tempo pelo ex-presidente Bill Clinton e pelo Rush Limbaugh [comentador republicano], com ambos a citarem-no para justificarem os seus pontos de vista."

Durante anos, "24" atraiu regularmente entre dez a 14 milhões de espectadores. Sendo o primeiro programa importante da década a ser concebido como uma série, "24" abriu caminho para dramas como "Lost - Perdidos", por exemplo. Grande parte do crédito deve ser dado à personagem de Bauer, o arquétipo do herói da era do contraterrorismo. "Toda a gente adora um homem de acção, alguém maior do que a realidade, como John Wayne, um herói que salva o dia, indiferente ao seu sacrifício pessoal. E Jack Bauer salva o dia em todas as temporadas", afirma Sharp, o professor de Direito de Georgetown.

No entanto, tal como muitas séries com alguns anos, "24" perdeu audiência. Até ao momento, esta última temporada atingiu uma média de 11,5 milhões de espectadores nos EUA. O seu cancelamento foi noticiado pela primeira vez no início de Março pelas publicações de negócios de televisão e ainda surgiram rumores que a NBC poderia recomeçar o programa. Mas a estação negou.

Um guião para um filme de "24" encontra-se em fase de desenvolvimento, embora não esteja garantido. Em entrevista recente, Sutherland afirmou que o filme seria uma "representação em duas horas das 24 horas de um dia". Para Jack Bauer, há sempre o tiquetaque de uma bomba-relógio que é preciso neutralizar.

A última temporada de "24" está a passar no FOX Crime à quarta-fera às 22h15  e e na RTP2, à quarta-feira às 22h40  

Fonte: Jornal I

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