sábado, 27 de dezembro de 2008

"Só surpreende a pistola desta vez ser de plástico"



Uma arma apontada por um aluno a uma professora durante uma aula de Psicologia na Escola Secundária do Cerco, no Porto, só surpreende quem não vive lá. Para os moradores, surpresa é o facto de o revólver ser de plástico.

Véspera das férias de Natal, última aula do primeiro período, estabelecimento de ensino problemático num não menos problemático bairro na zona oriental do Porto, momento de auto-avaliação. A turma do 11º ano pede notas positivas à professora de Psicologia. Os rapazes cercam a docente na secretária, vasculham o seu computador portátil, mexem-lhe no cabelo louro e, por fim, um encena um número de pugilato e outro aponta-lhe uma arma. Nada disto é realmente a sério - nem sequer a arma, que é de plástico. Estão todos a brincar, numa descontracção permitida pela própria professora e pelo cheiro a férias. Até ao momento em que a dita professora deixa de achar piada: abandona a sala e ameaça marcar falta disciplinar colectiva.

O episódio, que o JN tornou público ontem, só é conhecido porque à semelhança do que aconteceu há nove meses na Escola Carolina Michaelis, também no Porto, há sempre alguém apetrechado com um telemóvel e pronto para filmar tudo primeiro e colocar na internet depois.

O poder que as imagens têm de chocar os mais incautos, não chegam para escandalizar os moradores do bairro, mesmo aqueles que têm filhos a frequentar aquela escola. Não porque desvalorizem o episódio, mas, como explica Mário Cardoso, porque estão "demasiado habituados a ouvir histórias destas, quase todos os dias, mas com pistolas verdadeiras. E com navalhas e facas e cadeiras e vasos. Tudo serve para agredir professores e funcionários".

Diogo, o filho de 13 anos, confirma: "Se mostrares medo é pior. Por isso, entendo que os professores nunca façam queixa. Fazem como eu: afastam-se". O pai aprecia a precaução do filho, mas confessa que só "sossega quando ele chega a casa". E acrescenta: "A arma até pode ser de brincar, mas este comportamento numa sala de aula não pode ser considerado uma brincadeira. Mando o meu filho para a escola para ser bem comportado; não para fazer isso".

É justamente esse receio de contaminação, agravado pelo medo de ver alguém fazer mal à filha de seis anos, que leva uma mãe do Cerco (não quis dar o nome, tal é o receio) a colocar a criança na escola do Lagarteiro. "Fica mais longe de casa e a miúda até tem que dormir em casa da avó. Às vezes, quando saio do trabalho e chego lá para lhe dar um beijo, já é meia-noite. Mas qual era a minha alternativa?", pergunta. "Metê-la aqui no Cerco, onde já vi um porteiro e uma professora a irem de ambulância para o hospital depois de terem sido espancados por alunos?" Para a mulher, que não deixa sequer a filha passear no bairro, "brincar com uma arma não é brincadeira nenhuma." E culpa os pais por isso: "São os primeiros a ir à escola bater nos professores. Quem não tem educação, não a pode dar, não é?" Daí a sua única surpresa: "A única coisa que me surpreende é que o revólver, desta vez, seja de plástico".

Fonte: Jornal de Notícias

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